Dentro em meu pensamento. Floresceu às avessas Meu ócio com sem-nexo, E apagaram-se as lâmpadas Na alcova cambaleante. Tudo prestes se volve Um deserto macio Visto pelo meu tato Dos veludos da alcova, Não pela minha vista. Há um oásis no Incerto E, como uma suspeita De luz por não-há-frinchas, Passa uma caravana. Esquece-me de súbito Como é o espaço, e o tempo Em vez de horizontal É vertical. A alcova Desce não se por onde Até não me encontrar. Ascende um leve fumo Das minhas sensações. Deixo de me incluir Dentro de mim. Não há Cá-dentro nem lá-fora. E o deserto está agora Virado para baixo. A noção de mover-me Esqueceu-se do meu nome. Na alma meu corpo pesa-me. Sinto-me um reposteiro Pendurado na sala Onde jaz alguém morto. Qualquer coisa caiu E tiniu no infinito.
Chove. Embandeiraram-se o barco de maneira errada. Chove sempre. Para que olhas tu a cidade longínqua? Tua alma é a cidade longínqua. Chove friamente. E quanto à mãe que embala ao colo um filho morto — Todos nós embalamos ao colo um filho morto. Chove, chove. O sorriso triste que sobra a teus labios cansados, Vejo-o no gesto com que os teus dedos não deixam os teus anéis. Porque é que chove?
Que espreita por meus olhos ? Quando penso que vejo, Quem continua vendo Enquanto estou pensando ? Por que caminhos seguem, Não os meus tristes passos, Mas a realidade De eu ter passos comigo ? Às vezes, na penumbra Do meu quarto, quando eu Por mim próprio mesmo Em alma mal existo. Toma um outro sentido Em mim o Universo — É uma nódoa esbatida De eu ser consciente sobre Minha ideia das coisas. Se acenderem as velas E não houver apenas A vaga luz de fora — Não sei que candeeiro Aceso onde na rua — Terei foscos desejos De nunca haver mais nada No Universo e na Vida De que o obscuro momento Que é minha vida agora! Um momento afluente Dum rio sempre a ir Esquecer-se de ser, Espaço misterioso Entre espaços desertos Cujo sentido é nulo E sem ser nada a nada. E assim a hora passa Metafisicamente.
Por uma escada abaixo. Os meus desejos balouçam-se Em meio de um jardim vertical. Na Múmia a posição é absolutamente exata. Música longínqua, Música excessivamente longínqua, Para que a Vida passe E colher esqueça aos gestos.
Tenho medo de passar entre elas, tão paradas conscientes. Tenho medo de as deixar atrás de mim a tirarem a Máscara. Mas há sempre coisas atrás de mim. Sinto a sua ausência de olhos fitar-me, e estremeço. Sem se mexerem, as paredes vibram-me sentido. Falam comigo sem voz de dizerem-me as cadeiras. Os desenhos do pano da mesa têm vida, cada um é um abismo. Luze a sorrir com visíveis lábios invisíveis A porta abrindo-se conscientemente Sem que a mão seja mais que o caminho para abrir-se. De onde é que estão olhando para mim? Que coisas incapazes de olhar estão olhando para mim? Quem espreita de tudo? As arestas fitam-me. Sorriem realmente as paredes lisas. Sensação de ser só a minha espinha. As espadas.
Fernando Pessoa
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A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão.
às vezes tenho vontade de entrar dentro de mim e arrancar fora este buraco que habita em mim, dai então, pular pra dentro dele!
Turmalina Antônia
quinta-feira, 27 de junho de 2013
Episódios/ A Múmia
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