A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão.


às vezes tenho vontade de entrar dentro de mim e arrancar fora este buraco que habita em mim, dai então, pular pra dentro dele!
Turmalina Antônia

quarta-feira, 22 de maio de 2013

TRISTEZAS DE UM QUARTO MINGUANTE

Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,
Este Engenho Pau d'Arco é muito triste...
Nos engenhos da várzea não existe
Talvez um outro que se lhe equipare!

Do observatório em que eu estou situado
A lua magra, quando a noite cresce,
Vista, através do vidro azul, parece
Um paralelepípedo quebrado!

O sono esmaga o encéfalo do povo.
Tenho 300 quilos no epigastro...
Dói-me a cabeça. Agora a cara do astro
Lembra a metade de uma casca de ovo.

Diabo! Não ser mais tempo de milagre!
Para que esta opressão desapareça
Vou amarrar um pano na cabeça1
Molhar a minha fronte com vinagre.


Aumentam-se-me então os grandes medos.
O hemisfério lunar se ergue e se abaixa
Num desenvolvimento de borracha,
Variando à ação mecânica dos dedos!

Vai-me crescendo a aberração do sonho.
Morde-me os nervos o desejo doudo
De dissolver-me, de enterrar-me todo
Naquele semicírculo medonho!

Mas tudo isto é ilusão de minha parte!
Quem sabe se não é porque não saio
Desde que, 6.ª-feira, 3 de maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!

A lâmpada a estirar línguas vermelhas
Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,
Como um degenerado psicopata
Eis-me a contar o número das telhas!

- Uma, duas, três, quatro... E aos tombos, tonta

Sinto a cabeça e a conta perco; e, em suma,
A conta recomeço, em ânsias: - Uma...
Mas novamente eis-me a perder a conta!

Sucede a uma tontura outra tontura.
- Estarei morto?! E a esta pergunta estranha
Responde a Vida - aquela grande aranha
Que anda tecendo a minha desventura! -

A luz do quarto diminuindo o brilho
Segue todas as fases de um eclipse...
Começo a ver coisas de Apocalipse
No triângulo escaleno do ladrilho!

Deito-me enfim. Ponho o chapéu num gancho.
Cinco lençóis balançam numa corda,
Mas aquilo mortalhas me recorda,
E o amontoamento dos lençóis desmancho.

Vêm-me á imaginação sonhos dementes.
Acho-me, por exemplo, numa festa...
Tomba uma torre sobre a minha testa,
Caem-me de uma só vez todos os dentes!

Então dois ossos roídos me assombraram...
- "Por ventura haverá quem queira roer-nos?!
Os vermes já não querem mais comer-nos
E os formigueiros lá nos desprezaram".

Figuras espectrais de bocas tronchas
Tornam-me o pesadelo duradouro...
Choro e quero beber a água do choro
Com as mãos dispostas á feição de conchas.

Tal urna planta aquática submersa,
Antegozando as últimas delicias
Mergulho as mãos - vis raízes adventícias -
No algodão quente de um tapete persa.

Por muito tempo rolo no tapete,
Súbito me ergo. A lua é morta. Um frio
Cai sobre o meu estômago vazio
Como se fosse um copo de sorvete!

A alta frialdade me insensibiliza;
O suor me ensopa. Meu tormento é infindo...
Minha família ainda está dormindo
E eu não posso pedir outra camisa!

Abro a janela. Elevam-se fumaças
Do engenho enorme. A luz fulge abundante
E em vez do sepulcral Quarto Minguante
Vi que era o sol batendo nas vidraças.

Pelos respiratórios tênues tubos
Dos poros vegetais, no ato da entrega
Do mato verde, a terra resfolega
Estrumada, feliz, cheia de adubos.

Côncavo, o céu, radiante e estriado, observa
A universal criação. Broncos e feios,
Vários reptis cortam os campos, cheios
Dos tenros tinhorões e da úmida erva.

Babujada por baixos beiços brutos,
No húmus feraz, hierática, se ostenta
A monarquia da árvore opulenta
Que dá aos homens o óbolo dos frutos.

De mim diverso, rígido e de rastos
Com a solidez do tegumento sujo
Sulca, em diâmetro, o solo um caramujo
Naturalmente pelos mata-pastos.

Entretanto, passei o dia inquieto,
A ouvir, nestes bucólicos retiros
Toda a salva fatal de 21 tiros
Que festejou os funerais de Hamleto!

Ah! Minha ruína é pior do que a de Tebas!
Quisera ser, numa última cobiça,
A fatia esponjosa de carniça
Que os corvos comem sobre as jurubebas!


Porque, longe do pão com que me nutres
Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me exortas
Eu estaria como as bestas mortas
Pendurado no bico dos abutres!

Augusto dos Anjos

(AcroYoga com Daiana Gama em São Bento do Sapucaí)

terça-feira, 21 de maio de 2013

INSÂNIA

No mundo vago das idealidades
Afundei minha louca fantasia;
Cedo atraiu-me a auréola fulgidia
Da refulgência antiga das idades.

Mas ao esplendor das velhas majestades
Vacila a mente e o seu ardor esfria;
Busquei então na nebulosa fria
Das ilusões, sonhar novas idades.

Que desespero insano me apavora!
Aqui, chora um ocaso sepultado;
Ali, pompeia a luz da branca aurora

E eu tremo e hesito entre um mistério escuro
- Quero partir em busca do Passado
- Quero correr em busca do Futuro.

Augusto dos Anjos



segunda-feira, 20 de maio de 2013

Misgodeu o Abominável!


Trecho do Livro A Bíblia segundo Beliel - Flávio Aguiar

Anseio

Quem sou eu, neste ergástulo das vidas 
Danadamente, a soluçar de dor?!
- Trinta trilhões de células vencidas, 
Nutrindo uma efeméride interior.

Branda, entanto, a afagar tantas feridas,
A áurea mão taumatúrgica do Amor
Traça, nas minhas formas carcomidas,
A estrutura de um mundo superior!

Alta noite, esse mundo incoerente
Essa elementaríssima semente
Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal...

Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto, 
E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto 
Não poder dar-lhe vida material!


Augusto dos Anjos

terça-feira, 14 de maio de 2013

FrEnEsI


AFORA

Eu saio sei não pra onde quando estou nesse tipo de momento. Tipo o quê?, você perguntaria, tivesse voz que viajasse no tempo e voltasse exatamente neste momento em que rabisco, em toques no teclado, a minha crônica-reflexão.

Seria essa a pergunta? Ou seria apenas um pedido para viajar nessa comigo? Bom, seja bem-vindo de qualquer forma. Questionando ou compartilhando.

Posso lhe contar assim, ao pé dos olhos que desnudam as letrinhas digitadas para minha crônica-frenesi, esse momento está desarrumado como que necessitado de absolutismos nos quais jamais acreditei, e aí moram as dúvidas e os temores. De tão atrapalhado, me colocou de castigo, a cara pra parede, o olhar desbotando feito imaginação de pintor que esqueceu como pincelar sentimentos na tela vazia. À espera sabe de quem do que e do quando.

Momento feito esse, de acordo com alguns, é quando nos permitimos endoidecer um tanto, de jeito que não se cabe mais nas convenções estabelecidas por nós mesmos, antes de ontem, quando os planos tinham importância, as listas faziam sentido.

Libertário, não? Efêmero, também.

Estou fora da casca, do castelo de cartas, das mansões de areia, dos barracos de vento, das arquiteturas planetárias. Aqui fora meus pés vagueiam com suas asas postiças, leveza emprestada, levando-me para essa viagem ao interior que não é do estado. Não são às estradas que me lanço, mas ao espaço que me separa – lonjuras afiadas – da jornada de reconhecimento dos meus próprios desejos.

Falo dos desejos que escondemos de nós mesmos quando mudar requer uma energia que não sabemos de onde tirar.

É um quero-quero desandado esse meu, um desamparo da superfície, enquanto sou mantida imersa em repouso pelo peso do que desconheço, apaixonando-me homeopaticamente pelos saltos. Sonhando com o catapultar aprisionadores sentimentos.

Estar fora é adentrar precipícios e amansar as quedas. Sabotar medos. É lamber a bisbilhotice dos abismos e angariar força para se segurar às beiradas. E dependurada nesse fim de mundo que me habita, os pés balançando suas asas, sedentos pelo passo, pelo salto, pela queda livre, saboreio traquinagens. Fora da certeza alicerçada por crenças emprestadas, eu construo possibilidades simples e tão importantes. Possibilidades que são como alamedas pelas quais ainda não caminhei, enfeitadas com belezas às quais nunca fui apresentada.

Como a beleza de estar fora do centro e poder espiar dos cantos. De construir pontes no ar para mais agradáveis travessias.

Carla Dias